TEXTO

Coisas que valem muito

Fernando de La Rocque

Na paz do Alto-Lagoa
Cheiro de café bom
e o bom barulho do mato.
Natasha,

 

Enorme, esguia
Nos recebe calorosamente
Sua alegria é notável.

 

Na sala
Nossos olhos passeiam pelas esculturas
A menor, em valor, de todas elas
Um coelho de cor suspeita e olhar duro,
em cima da geladeira

 

Janelas, Janelinhas, Janelonas
Pintura em tela é janela,
Tem umas cento e quarenta e cinco janelas nessa casa,
Uma para cada mundo

 

Natasha mastiga um pão inteiro
Se delicia, e as migalhas caem em seu peito peludo
Farinha, água, e o brilho de Natasha
Impregnados na sala
Papel, porcelana, plástico, texto, folha de ouro
Vidro, acrílico, metal e tecido
Impregnados na sala e na casa toda
Parede, chão e teto
Na cozinha, nos banheiros e nos quartos

 

Natasha lambe nossos dedos
E se esfrega em nossas pernas
Acho que ela quer alguma coisa
Acho que ela quer ir passear

 

Em êxtase com a totalidade do conjunto
Com essa ordenada confusão de pedacinhos preciosos do universo
Essa pequena galáxia, diversificada, e em constante expansão.
Que alegria ter contato físico com essas coisinhas!
Nos despedimos de longe, com um beijo e um aceno

 

Ela caminha delicadamente em nossa direção
Vem rebolando entre as relíquias
Ergue seu focinho comprido
E abre um enorme sorriso.

Fernando de La Rocque

Fernando de La Rocque (Rio de Janeiro, Brasil, 1979) se formou em Escultura pela Escola de Belas Artes da UFRJ (2004). O foco de sua produção tem sido a série Colônias, conhecida pelo golpe de vista onde, a distância, apresenta uma composição orgânica geométrica e equilibrada, mas ao se aproximar revelam-se cenas de grandes orgias sexuais com figuras humanoides, com as quais o artista constrói cenas coloridas, divertidas, energéticas e com um conteúdo cosmogônico surpreendente. Entre suas principais exposições individuais destacam-se: “Tudo o que é mais sagrado”, Artur Fidalgo galeria, Rio de Janeiro, 2016 e 2014; “Barata de Ouro”, Espaço Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro,2010; “Lambe-lambe”, Sala de Arte Público Siqueiros, México DF, 2011.
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