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O que é arte e mais um pouco

Christoph Türcke

A ARTE É UM GRANDE ESPAÇO de preservação social, uma esfera de deslocamento da realidade societária. Esse espaço de preservação se chamava, entre os gregos, asylon: refúgio, asilo. O asilo é um lugar sagrado. Acredito que não se pode compreender a arte caso não se considere o lugar sagrado de sua origem. A arte irrompeu da esfera sagrada. Irrompeu em duplo sentido: como a fonte da montanha, mas também como o preso da prisão.

O asilo, o refúgio, originalmente ficava no interior do templo. Também a arquitetura começou com a construção dos templos. O espaço de preservação do interior do templo não é uma esfera autárquica, mas ele exige que os costumes profanos do cotidiano não o invadam e tomem conta dele. Ele promete proteção diante deles. Ele reclama leis próprias. E “auto-legislação” é a tradução literal de autonomia.

Os asilos existiam muito tempo antes de os gregos lhe darem esse nome. Por exemplo, na forma de asilos naturais: as cavernas. As pinturas rupestres são 20 a 30 milênios mais antigas do que a alta cultura da Grécia clássica. Há pouco, inclusive, foram encontradas, em uma caverna sul-africana, esculturas de cobras que possivelmente tenham o dobro da idade da pintura rupestre mais antiga da França, portanto cerca de 70 mil anos. Na época, os humanos não compreendiam a arte que faziam como arte. Sua produção artística era uma espécie de legítima defesa: banir tentações e ameaças através de formações imagéticas. Imagens portanto são, no princípio, não mais do que tentativas de banimento de ameaças. É um erro acreditar que as imagens teriam começado como imagens estáticas; e que imagens móveis seriam o produto de uma cultura mais tardia, talvez até mesmo apenas do filme. “Quando as imagens aprenderam a andar”, é o título de um livro sobre os primórdios do filme, como se a dança e o teatro jamais tivessem existido. Minha tese é contrária: a imagem começou móvel.

O que há de mais móvel que o ritual de sacrifício arcaico, no qual humanos da Idade da Pedra trucidavam seus iguais para assim banir terrores naturais e superar as experiências traumáticas em uma natureza indomável? O ritual de sacrifício é uma exibição: literalmente “uma imagem para os deuses”. E as primeiras imagens estáticas já são cópias registradas e condensações de imagens móveis – como cenários das apresentações de sacrifício. Do ponto de vista atual se poderia dizer: o rito arcaico era uma obra de arte total, terrivelmente crua e sanguinária. Também o surgimento da linguagem está dentro desse contexto. Gramática e sintaxe são rituais sedimentados.

REPRODUÇÕES E IMAGENS são arte quando são mais do que uma mera duplicação, quando deslocam e condensam a realidade externa de tal modo que esta de certa forma chegue à essência. Uma das conquistas revolucionárias de Freud foi a de ter reconhecido deslocamento e condensação como processos primários anímicos. Ele os chama de “artífices do sonho”. Mas eles não são menos artífices da arte. Isso se torna nítido nas representações arcaicas de animais. Essas representações mostram, no lugar de uma cobra individual, de um bisão ou de um leão individuais, a cobra, o bisão e o leão – como algo que é terrível, mas também oferece proteção. Também o asilo funciona de maneira a tornar possível que lá alguém se entregue à proteção de um poder terrível. Só o que aterroriza também é capaz de proteger. E por isso todas as divindades ancestrais também são terríveis. Até se poderia perguntar por que os humanos foram tão estúpidos a ponto de imaginar divindades terríveis. Será que divindades fofinhas não teriam sido muito mais úteis? Não, e isso por um bom motivo: porque esboço de imagem e arte – e ambas também têm a ver com esboço imagético de Deus – estão fundados antes de mais nada na superação de medos terríveis e no banimento de ameaças.

Arte é, pois, deslocamento e banimento. Ela principia com a minimização lúdica do terrível e do ameaçador. Ela ousa brincar com o terrível: diminuí-lo, distorcê-lo, amortecê-lo, atenuá-lo. Ela o torna “gracioso”. O gracioso tem dois significados: o da fragilidade, mas também o do adorno. Quando um cacique de tribo bota em torno do pescoço um colar de dentes de fera, ele celebra o enfraquecimento do dente fatal do animal ameaçador. Ele triunfa sobre a ameaça fatal da fera. O belo é, originalmente, uma manifestação do triunfo. A sentença de Rilke, nas Elegias de Duíno, é conhecida: “O belo não é senão o princípio do espanto, que nós mal conseguimos suportar.” Eu gostaria de inverter essa sentença. O belo não é senão o fim do espanto, que nós já conseguimos suportar. E tudo se torna suportável, cheio de alívio, e venturoso quando se torna gracioso, quando adorna, quando se torna ornamental. Muitas coisas depõem a favor de que a primeira forma do belo foi o ornamento. Homens como Mies van der Rohe ou Adolf Loos só engoliriam isso com muita dificuldade. Eles tomaram o ornamento como sendo apenas aquilo que ele preponderantemente também era em seu entorno: um fenômeno de decadência, um adereço vazio. Mas não foi assim que ele começou, naturalmente. No princípio, ele é um troféu indispensável, a joia do triunfante. E portanto nem um pouco disfuncional, mas inserido firme e ritualmente na festa, e em seu triunfo sobre as forças da natureza, e com isso apresentando à natureza mais uma vez sua feição agora graciosa, mas também despotencializada – como um amuleto.

Christoph Türcke

CHRISTOPH TÜRCKE (nascido em Hamelin, na Alemanha, em 4 de outubro de 1948) é filósofo e professor emérito da Escola de Artes Visuais de Leipzig e da Universidade de Leipzig. Foi professor visitante no Brasil e conferenciou no mundo inteiro. É autor de obras como A sociedade excitada e A filosofia do sonho; é o criador da noção de “filosofia da sensação”.
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